Eu estava no primeiro ano da faculdade quando descobri Caio. Minha professora de Panorama Literário da Literatura de Língua Portuguesa me diria: Caio seu vizinho? - ela sempre dizia que devemos reverência os autores, devemos respeito a eles. Eu concordo com ela, em parte. A minha reverência está no cuidado que dou às palavras deles; está no cuidado com que guardo cada parte de sua obra em mim. Digo Caio, pois hoje me sinto tão próxima a ele. Talvez de todas as pessoas intensas e profundas que admiro, Caio é o que mais se aproxima da minha alma. Me delicio em cada palavra dele como se pudesse me reconhecer em cada linha. Sinto um profundo amor por tudo que ele produziu e continua produzindo em mim. Esses dias o meu Livro de cabeceira é um livro de crônicas dele. Pequenas Epifanias reúne crônicas que Caio escreveu entre 1986 e 1995. Crônicas belíssimas, cheias de sentimentos profundos. Não posso falar muito desse livro ainda, pois estou apenas no começo e confesso que a minha vontade é economizar o máximo possível (gosto de economizar as coisas dele). Lendo aos poucos, para não perdê-lo logo... Mas claro que dentre as poucas que li já elegi a minha preferida e trago aqui só pra falar no meu espaço sobre o meu grande apreço por Caio, aquele que podia perfeitamente ser o meu vizinho solitário, mas que por algum motivo prefere viver aqui, dentro de mim.
Por Jordânia Azevedo
"Não, meu bem, não adianta bancar o distante
lá vem o amor nos dilacerar de novo..."
Andei pensando coisas. O que é raro, dirão os irônicos. Ou "o que foi?" - perguntariam os complacentes. Para estes últimos, quem sabe, escrevo. E repito: andei pensando coisas sobre amor, essa palavra sagrada. O que mais me deteve, do que pensei, era assim: a perda do amor é igual à perda da morte. Só que dói mais. Quando morre alguém que você ama, você se dói inteiro (a) mas a morte é inevitável, portanto normal. Quando você perde alguém que você ama, e esse amor - essa pessoa - continua vivo (a), há então uma morte anormal. O NUNCA MAIS de não ter quem se ama torna-se tão irremediável quanto não ter NUNCA MAIS quem morreu. E dói mais fundo- porque se poderia ter, já que está vivo (a). Mas não se tem, nem se terá, quando o fim do amor é: NEVER.
Pensando nisso, pensei um pouco depois em Boy George: meu-amor-me-abandonou-e-sem-ele-eu-nao-vivo-então-quero-morrer-drogado. Lembrei de John Hincley Jr., apaixonado por Jodie Foster, e que escreveu a ela, em 1981: "Se você não me amar, eu matarei o presidente". E deu um tiro em Ronald Regan. A frase de Hincley é a mais significativa frase de amor do século XX. A atitude de Boy George - se não houver algo de publicitário nisso - é a mais linda atitude de amor do século XX. Penso em Werther, de Goethe. E acho lindo.
No século XX não se ama. Ninguém quer ninguém. Amar é out, é babaca, é careta. Embora persistam essas estranhas fronteiras entre paixão e loucura, entre paixão e suicídio. Não compreendo como querer o outro possa tornar-se mais forte do que querer a si próprio. Não compreendo como querer o outro possa pintar como saída de nossa solidão fatal. Mentira:compreendo sim. Mesmo consciente de que nasci sozinho do útero de minha mãe,berrando de pavor para o mundo insano, e que embarcarei sozinho num caixão rumo a sei lá o quê, além do pó. O que ou quem cruzo entre esses dois portos gelados da solidão é mera viagem: véu de maya, ilusão, passatempo. E exigimos o terno do perecível, loucos.
Depois, pensei também em Adèle Hugo, filha de Victor Hugo. A Adèle H. de François Truffaut, vivida por Isabelle Adjani. Adèle apaixonou-se por um homem. Ele não a queria. Ela o seguiu aos Estados Unidos, ao Caribe, escrevendo cartas jamais respondidas, rastejando por amor. Enlouqueceu mendigando a atenção dele. Certo dia, em Barbados, esbarraram na rua. Ele a olhou. Ela, louca de amor por ele, não o reconheceu. Ele havia deixado de ser ele: transformara-se em símbolos em face nem corpo da paixão e da loucura dela. Não era mais ele: ela amava alguém que não existia mais, objetivamente. Existia somente dentro dela. Adèle morreu no hospício, escrevendo cartas (a ele: "É para você, para você que eu escrevo" - dizia Ana C.) numa língua que, até hoje, ninguém conseguiu decifrar.
Andei pensando em Adèle H., em Boy George e em John Hincley Jr. Andei pensando nesses extremos da paixão, quando te amo tanto e tão além do meu ego que - se você não me ama: eu enlouqueço, eu me suicido com heroína ou eu mato o presidente. Me veio um fundo desprezo pela minha/nossa dor mediana, pela minha/nossa rejeição amorosa desempenhando papéis tipo sou-forte-seguro-essa-sou-mais-eu. Que imensa miséria o grande amor - depois do não, depois do fim - reduzir-se a duas ou três frases frias ou sarcásticas. Num bar qualquer, numa esquina da vida.
Ai que dor: que dor sentida e portuguesa de Fernando Pessoa - muito mais sábio -, que nunca caiu nessas ciladas. Pois como já dizia Drummond, "o amor car(o,a,) colega esse não consola nunca de núncaras". E apesar de tudo eu penso sim, eu digo sim, eu quero Sins.
O Estado de S. Paulo, 8/7/1986
ABREU, Caio Fernando. Pequenas epifanias. Porto Alegre: Sulina, 1996.
Jordânia menina. Você engravidou e eu nem soube. Você carrega dentro de si um Caio Abreu e muitos poemas. Você sustenta a sua existência na beleza mundana, sem medo de encarar a profundidade que há nas coisas e nas relações, tecendo uma personalidade singularíssima, cheia de existências pulsando em sua existência. Sai de dentro de si belas reflexões, tomadas de empréstimo e elaboradas de si mesma. Você é bela e meus olhos a vêem assim, lendo-a com palavras alheias, descobrindo-a num patamar elevado de reflexão.
ResponderExcluirsou a pessoa que te liga e nada diz, sou assim apaixonado(a)por vc.
ResponderExcluirsou a pessoa que te liga e nada diz, sou assim apaixonado(a)por vc.
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