quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

As Horas






Michael Cunningham e as suas Horas: Uma Breve Síntese do Romance 
Introdução do capítulo II da minha primeira monografia




O romance As Horas escrito pelo autor estadunidense Michael Cunningham (1952) foi publicado em 1998 nos Estados Unidos pela Farrar, Straus and Giroux e rendeu ao escritor o Prêmio Pulitzer (1999) assim como o PEN/Faulkner Award (1999). Em decorrência do sucesso de público e crítica do romance/novela foi adaptado para o cinema em 2000. Tal adaptação rendeu ao filme nove indicações ao Oscar, apogeu das produções cinematográficas ocidentais, e rendeu a atriz Nicole Kidman o prêmio de melhor atriz daquele ano por sua brilhante atuação como a atormentada escritora Virginia Woolf . É salutar observar ainda que Cunningham é lembrado pela crítica estadunidense desde o seu romance Laços de Sangue publicado em 1995, como um dos autores mais expressivos de sua geração e assim a sua obra vem em uma crescente, imprimindo características peculiares à contemporaneidade. 

Por conseguinte, as inovações estilísticas propostas pelo movimento pós-modernista, atribuiu ao autor a possibilidade de reinventar, ou poderíamos até dizer, de reconfigurar os padrões comportamentais que a sociedade ocidental estava emersa até então por meio de obras literária inquietadoramente subversivas. Ademais, o questionamento das categorias de tempo e espaço e ainda a diluição do sujeito efetivada na contemporaneidade, permite ao autor de estética pós-modernista uma reinvenção do seu estilo de arquitetar tais narrativas. Sendo assim, foi perante a possibilidade de subversão que a pós-modernidade aludi, que surge As Horas de Michael Cunningham, título este, que o autor toma emprestado da escritora Virginia Woolf . Este romance elucida algumas das questões mais recorrentes e também mais controversas da contemporaneidade: a arrumação do tempo e do espaço ante um enredo não linear, antinarrativo, intertextual e atemporal, assim como, os problemas surgidos para a ficção em face da diluição e da morte dos sujeitos na pós-modernidade. Esta última característica transfigura completamente o trato dado às personagens das narrativas contemporâneas. 

Destarte, em As Horas, Cunningham subverte a seqüência lógica das categorias temporais de passado, presente e futuro por meio do isolamento realizado entre as três histórias que formam o enredo de tal romance. Cada ponta da tríade que compõe o romance de Cunningham é contada separadamente e cada história em sua época, de certo modo, significa algo mais que apenas a história de Virginia Woolf nos anos vinte, de Laura Brown nos anos cinqüenta e de Clarissa Vaughn no final dos anos noventa e todas elas no século XX. Além disso, Cunningham dilui a personagem central de seu romance fazendo uso do recurso da intertextualidade realizada com o romance Mrs. Dalloway (1925) da escritora Inglesa Virginia Woolf. A tríade composta pelas personagens de Virginia, Laura e Clarissa resulta na fragmentação de uma personagem-síntese, a Mrs. Dalloway, do romance homônimo de Virginia Woolf . Em As Horas Cunningham conta separadamente, a história de um dia na vida de três mulheres apartadas pelo tempo e unidas pela literatura. Tal ligação na trama é efetivada pela criação do romance Mrs. Dalloway que afeta diretamente três gerações de mulheres sendo duas delas leitoras e admiradoras da romancista Virginia Woolf. 

O romance está dividido em vinte e dois capítulos que são precedidos por um prólogo. A trama se desenrola numa ordem cronológica mais não linear. Assim, passado e presente são revisitados a cada novo capítulo deixando claro o caráter antinarrativo do enredo em questão. O leitor é introduzido ao romance por meio da ficcionalização do suicídio da escritora inglesa Virginia Woolf. Virginia atravessa a trama atormentada por uma crise criativa e com o desconforto evidente que sua vida lhe inflige. Assim, vale ressaltar que ela acaba por projetar em seus personagens as suas angústias e frustrações. Na seqüência o romance avança no tempo da narrativa a apresenta Clarissa Vaughn no final dos anos noventa. Clarissa é uma senhora de meia idade que vive com Sally Seton. Entretanto, sua verdadeira paixão é o escritor homossexual Richard, um talentoso autor de poesias que acabará de receber o prêmio Carrouthers pelo conjunto da obra sobre um romance no qual ele tentou resgatar as suas memórias de infância e juventude e que não foi um sucesso de público, passando nas prateleiras das livrarias, quase que despercebido, mas, que segundo Clarissa, faz jus a uma comemoração. 

Clarissa seria, portanto, a versão moderna da Senhora Dalloway de Virginia Woolf, pois, ela atravessa a trama em meio aos preparativos de uma festa para comemorar o premio de Richard, enquanto tenta superar a frustração de tê-lo perdido para um romance homossexual que este teve com Louis. Contudo, a trama proposta por cunningham fica completa quando o leitor é apresentado no terceiro capítulo à Laura Brown. Laura é sem dúvida das três personagens a mais afetada pelas angústias de Virginia. Ela atravessa o romance de Cunningham sobrevivendo como a esposa de Dan Brown. E é por meio das leituras que faz diariamente dos romances da escritora e em especial, neste dia, o que ela compunha em 1923, que Laura foge de sua realidade. 

As três pontas desse enredo, caracterizados na presença das três mulheres que o compõem, são unidas pela revelação da personagem de Richard no final do romance. Ao se suicidar Richard revela ao leitor sua verdadeira identidade, ou seja, ele é de fato o pequeno Rich, filho de Laura Brown que assistiu toda a angústia de sua mãe e as leituras compulsivas que esta fazia dos romances da escritora inglesa. Assim, ele une o passado ao presente, quando no final da trama promove por meio de sua morte o encontro de Laura Brown e Clarissa Vaughn simbolizando, desse modo, a conclusão de uma história que foi fragmentada por setenta e oito anos. 

Não obstante, este esboço do que vem a ser o romance As Horas (1998) escrito pelo autor Michael Cunningham, pretende tão somente introduzir o leitor às características gerais da obra em questão, para que a mesma, nas próximas duas seções seja analisada no que tange às características espaciais e temporais do enredo contemporâneo. E ainda pretende-se aqui a observação do comportamento das personagens Virginia Woolf, Laura Brown e Clarissa Vaughn ante a perspectiva da fragmentação constitutiva no enredo pós-modernista. 

Notas:

Virginia Woolf é considerada pela crítica e pelo público uma das escritoras inglesas mais representativas de sua geração. Seu trabalho é considerado, entre outras coisas, como uma grande contribuição à crítica de cunho feminista. Cf. ensaio que foi traduzido para o português como Um teto todo seu.

Nesse romance o autor descreve os problemas da família Stassos através de um jogo original e inovador entre passado e futuro. Para alguns críticos o romance seria uma prévia estilística do que viria a ser o romance As Horas no que tange a temática pós-modernista. 

A escritora Virginia Woolf Deu ao romance Mrs. Dalloway antes de sua publicação o titulo provisório de As Horas.

Como ficcionista, um dos trabalhos mais rememorados da escritora Virginia Woolf é o romance Mrs. Dalloway (1925). Nele a escritora disponibiliza recursos narratológicos inovadores para sua época como, por exemplo, o fluxo de consciência e retrata as experiências individuais e cotidianas da classe média. Em Mrs.Dalloway Virginia Woolf retrata os conflitos diários da protagonista Clarissa Dalloway durante os preparativos de uma festa.

É salutar observar também que a Virgínia Woolf retratada por Cunningham no romance As Horas deve ser observada como uma personagem de ficção e, por mais fiel que o autor tenha sido às informações levantadas sobre a vida da autora, ele imprime na personagem as impressões que lhe pareceram mais latentes durante a composição de sua Virginia Woolf.
Por Jordânia Azevedo